Ele arrumou as latinhas no isopor já surrado do tempo. Não era um muito grande, mas serviria. No canto esquerdo as cervejas, no direito os refrigerantes e ao centro algumas garrafas de água. Um pouco de gelo por cima para manter a temperatura, sal para abaixar o ponto crioscópico do gelo, aprendera com um químico que um dia lhe comprou duas latinhas de cerveja, a caixa vai à parte frontal da bicicleta cargueira, a roupa bem passada, sapato lustrado e dessa forma ele, cantarolando, segue mais uma vez a longa distância, dez quilômetros entre subidas e descidas até o ponto de venda.
É sempre assim, todo o primeiro domingo do mês, ele é o primeiro a chegar e o último a sair. A praça é gigantesca, mas ele afirma que chega cedo para sempre se posicionar no melhor lugar. Não no melhor lugar para venda, mas no melhor lugar para que possa assistir aos shows. Ele não depende disso pra viver, mas sempre é bom tirar uns trocos a mais, como ele mesmo diz.
Comecei a notá-lo desde uma vez que me aproximei para comprar uma cerveja, chamei-o duas ou três vezes e ele nem ao menos piscou, olhar brilhante e fixo em direção ao palco, um sorriso sincero no rosto, como se aquela melodia lhe transbordasse e lhe preenchesse por inteiro. Esperei a musica terminar – nunca conseguiria atrapalhar um momento de tamanha entrega – e então o cutuquei, é feio, mas estava com sede em meio aquele calor das 13:00. Ele me olhou, ainda em transe, e calmamente me atendeu, não pediu desculpas ou coisa do gênero, não que eu me importasse por isso, mas eu senti como se ele não estivesse me vendo ali ao seu lado. Era assim, ele vendia por musica, vivia por musica, e de musica um dia quem sabe viveria.
Ele disse-me que podia ouvir harmonia em tudo, ruídos, batidas, tudo. Seu sonho, tocar na filarmônica. Gosta de violoncelo, mas se contentaria de inicio em aprender algo mais simples, como o violino. Assim ele diz e assim aprendo e acredito.
carlos segundo
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