Monday, December 29, 2008

Onde andará Nicanor

O dia surgiu pela janela pouco aberta e ela ainda pode sentir na boca o gosto da noite anterior. Seu vestido úmido esparramado sobre a cadeira lhe dava a certeza de que não fora apenas enganada pela vontade. Agora muito mais fraca, a chuva, a abençoada e incessante chuva continuava a cair sobre o mundo do lado de fora limpando a memória e os vestígios de uma inesquecível aparição, um tango de Piazzolla nos versos de Caymi, um encontro com Nicanor de Chico Buarque. É claro que o álcool e a oportunidade impulsionam os seres a atos dos mais inesperados, mas continuo a acreditar que nada acontece por acaso. O acaso está associado a inúmeras combinações racionais, irracionais ou mesmo instintivas. Em resumo, os dois se necessitavam, mesmo que momentaneamente, mesmo que para não desperdiçar a chuva que inundava a noite.

Era dia de natal, e por mais cético e insensível que seja o individuo, duvido que não sinta a energia de uma paz hospedada bem na ponta do nariz. Mas ela não precisava de presentes ou cumprimento, se tudo o que vivera há poucas horas atrás, mesmo que meteórico e inesperado, fosse uma prévia do que estaria por vir nos dias seguintes, tudo já estava por si consumado e suficientemente preenchido. Sentia necessidade sim de cruzar novamente o olhar, de fixá-lo novamente, não em busca de certezas ou confirmações, mas pela simples necessidade que sentiu de súbito em saber que ele continuava ali.

Levantou-se e caminhou, sonolenta, até a cozinha. O encontro não demorou a acontecer, os olhos não mentem e o dele era sincero, garanto. Segredo não há quando mais de um sabe, mas seriam cúmplices e confidentes, não irmãos, mas quase primos de algo que não mais voltaria a acontecer, não daquela forma, não daquele jeito, talvez melhor, talvez pior, talvez...

carlos segundo
26/ 12/ 2008

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