Tuesday, April 07, 2009

o mito

No meio do nada, agachado, roçava com ambas as mãos a terra do chão. A cova ia sendo construída aos poucos. O suor escorria pela sua testa e hora ou outra era espalhado com as costas da mão. A terra ainda úmida, a chuva havia caído a pouco, preenchia os espaços da unha enquanto ele aumentava gradativamente a fúria de sua escavadeira. Começou a chorar repentinamente e não conseguiu mais parar. Olhou novamente para o lado, precisava ter certeza que ninguém estava a observá-lo, não desejava que alguém tomasse posse daquela maldição. Sentia-se um lobo, um animal que precisa esconder sua preza.
Rapidamente jogou tudo lá dentro, mais rápido ainda cobriu a cova. Deitado, ao lado da sepultura, sorriu olhando para o céu. As gargalhadas podiam ser ouvidas ao longe, ele se sentia feliz... Em sua mente nada, um deserto, o fosso infinito. Então levantou, a roupa imunda de terra. Olhou para si sem saber muito o porquê, então sentiu medo, não sabia porque estava ali, não sabia para onde ir, não sabia de nada nem de ninguém. Levantou a cabeça e seguiu, sem olhar pra trás, sem destino, sem sequer um objetivo na mente, sem futuro.
O passado só existe porque temos memória, porque guardamos em nós grande parte do que vivemos, pois se não, tudo passaria a ser constantes presentes e ficções, viveríamos uma eterna ficção. Quando chegou àquele lugar ele estava decidido a tudo, sentia-se ectópico em relação ao mundo e não queria mais aquela maldição, não queria mais sua vida, tudo que passou e sofreu, não se lembrava de um ínfimo momento de felicidade, precisava ser livre do seu passado e ao mesmo tempo se desvencilhar do futuro , então cavou, cavou, e ali depositou tudo; vida, pesadelos, cristianismos e culpas, abandonou sonhos e pesadelos, e outras coisas mais que agora não se lembra.
Conta-se que ali, naquele mesmo local nasceu há muito tempo atrás uma planta com frutos, que foi assim chamada de pequi. E a lenda diz mais, que o fato dessa fruta ser como é, está associada a maldição sucumbida no lugar, uma fruta de muitos espinhos e boa pra memória. [cultura inútil]
carlos segundo
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31_03_09

Tuesday, March 31, 2009

Acorde pra vida

Ele arrumou as latinhas no isopor já surrado do tempo. Não era um muito grande, mas serviria. No canto esquerdo as cervejas, no direito os refrigerantes e ao centro algumas garrafas de água. Um pouco de gelo por cima para manter a temperatura, sal para abaixar o ponto crioscópico do gelo, aprendera com um químico que um dia lhe comprou duas latinhas de cerveja, a caixa vai à parte frontal da bicicleta cargueira, a roupa bem passada, sapato lustrado e dessa forma ele, cantarolando, segue mais uma vez a longa distância, dez quilômetros entre subidas e descidas até o ponto de venda.
É sempre assim, todo o primeiro domingo do mês, ele é o primeiro a chegar e o último a sair. A praça é gigantesca, mas ele afirma que chega cedo para sempre se posicionar no melhor lugar. Não no melhor lugar para venda, mas no melhor lugar para que possa assistir aos shows. Ele não depende disso pra viver, mas sempre é bom tirar uns trocos a mais, como ele mesmo diz.
Comecei a notá-lo desde uma vez que me aproximei para comprar uma cerveja, chamei-o duas ou três vezes e ele nem ao menos piscou, olhar brilhante e fixo em direção ao palco, um sorriso sincero no rosto, como se aquela melodia lhe transbordasse e lhe preenchesse por inteiro. Esperei a musica terminar – nunca conseguiria atrapalhar um momento de tamanha entrega – e então o cutuquei, é feio, mas estava com sede em meio aquele calor das 13:00. Ele me olhou, ainda em transe, e calmamente me atendeu, não pediu desculpas ou coisa do gênero, não que eu me importasse por isso, mas eu senti como se ele não estivesse me vendo ali ao seu lado. Era assim, ele vendia por musica, vivia por musica, e de musica um dia quem sabe viveria.
Ele disse-me que podia ouvir harmonia em tudo, ruídos, batidas, tudo. Seu sonho, tocar na filarmônica. Gosta de violoncelo, mas se contentaria de inicio em aprender algo mais simples, como o violino. Assim ele diz e assim aprendo e acredito.
carlos segundo
cultblog.com.br

Tuesday, March 03, 2009

Cheque furado

O sol ainda se esforçava em escalar os montes que cercavam a cidade. Ele sentado na cobertura do hotel assistia a programação da TV e se assustava com a constatação de que aparentemente em todas as partes do mundo as programações televisivas se padronizavam e praticamente repetiam seus formatos. Àquela hora, sete e quarenta e dois da manha, deixado de lado o confuso horário, certamente na África ou mesmo na Espanha, a tela exibiria os seus mesmos moldes.
Na cobertura do hotel, onde era servido o café e era possível avistar o nascer e o se por do sol, havia um casal de peruanos, uma família de bolivianos, além de inúmeros brazucas que atravessaram quilômetros seguindo seu time de coração que naquela mesma noite enfrentaria a equipe local, Colo Colo. Sim, estava em Santiago, o maior condomínio [natural] horizontal do mundo.
Após dois dias de colonização e pré-produção algumas observações caberiam. O mais extenso país da América tinha sim suas particularidades, o clima seco e o ar poluído causava um ardor na vista e um ressecamento no nariz. A água que descia dos Andes tinha um gosto pesado, resultado da enorme quantidade de sais, naquela manha ele ainda sentia os resquícios do mal estar causado pela mesma, decidiu não mais arriscar e apenas beber água engarrafada. O país também passou pela pior experiência de ditadura no continente, logo depois de historicamente a população escolher de forma democrática pelo sistema socialista de governar. É verdade que em alguns momentos sentimos sim que seu povo parou no tempo, ainda é possível encontrar lojinhas que vendam fitas cassetes com títulos “Samba da Bahia – 97”, mas por sua vez Santiago é uma cidade segura que hipnotiza qualquer um que em sua terra pisar. Os pais, que conseguem viver dignamente com apenas três salários, brincam com seus filhos que o tempo todo não param de dizer “Papa, papa, papa...”. E apenas o que nos assusta nos primeiros dias é o fato da conta de um jantar para cinco pessoas, normalmente pescado ou pollo com papas fritas, trazer em seu rodapé um valor final de 14 mil pesos.
Sua mente poluía-se de tanta informação. Tudo era muito novo. Tudo era muito cedo. E seu portunhol ainda o incomodava. Fato, o mais rápido possível ele se matricularia em um curso, sentia vergonha por dominar a língua inglesa e mal saber se comunicar com seus visinhos latinos.
O sol então entrou pela vidraça, tocou sua nuca e ele sorriu. Pensou nas gravações que se iniciariam no mesmo dia, re-pensou cada detalhe. Pensou também em tomar outro chá, preferia café, mas o nescafé não lhe descia pela goela, tai algo que realmente ele sentiria falta em pouco tempo. E por fim antes de se levantar para se servir, lembrou que teria de enviar um e-mail para seu gerente explicando o porquê de seu cheque ter voltado no dia anterior. Afinal, felizmente ou não, no Brasil ainda não se pega dois anos de cadeia por um simples cheque voador.

Monday, December 29, 2008

Onde andará Nicanor

O dia surgiu pela janela pouco aberta e ela ainda pode sentir na boca o gosto da noite anterior. Seu vestido úmido esparramado sobre a cadeira lhe dava a certeza de que não fora apenas enganada pela vontade. Agora muito mais fraca, a chuva, a abençoada e incessante chuva continuava a cair sobre o mundo do lado de fora limpando a memória e os vestígios de uma inesquecível aparição, um tango de Piazzolla nos versos de Caymi, um encontro com Nicanor de Chico Buarque. É claro que o álcool e a oportunidade impulsionam os seres a atos dos mais inesperados, mas continuo a acreditar que nada acontece por acaso. O acaso está associado a inúmeras combinações racionais, irracionais ou mesmo instintivas. Em resumo, os dois se necessitavam, mesmo que momentaneamente, mesmo que para não desperdiçar a chuva que inundava a noite.

Era dia de natal, e por mais cético e insensível que seja o individuo, duvido que não sinta a energia de uma paz hospedada bem na ponta do nariz. Mas ela não precisava de presentes ou cumprimento, se tudo o que vivera há poucas horas atrás, mesmo que meteórico e inesperado, fosse uma prévia do que estaria por vir nos dias seguintes, tudo já estava por si consumado e suficientemente preenchido. Sentia necessidade sim de cruzar novamente o olhar, de fixá-lo novamente, não em busca de certezas ou confirmações, mas pela simples necessidade que sentiu de súbito em saber que ele continuava ali.

Levantou-se e caminhou, sonolenta, até a cozinha. O encontro não demorou a acontecer, os olhos não mentem e o dele era sincero, garanto. Segredo não há quando mais de um sabe, mas seriam cúmplices e confidentes, não irmãos, mas quase primos de algo que não mais voltaria a acontecer, não daquela forma, não daquele jeito, talvez melhor, talvez pior, talvez...

carlos segundo
26/ 12/ 2008

Copacabana

Enfim, o dia. E a brisa que vem trazendo o aroma de sal não deixa a menor dúvida. Os dois pés invisíveis se escondem na areia que mesmo fina preenche todo o arredor. Ele se encurva e as pessoas apenas caminham, ele não sabe por que, mas elas caminham, talvez seja o ar; ele merece ser inspirado com maior ferocidade. Ele sentado, observa e admira o domingo que se inicia.
Sem fim o dia. Pelo menos assim deveria ser. As pessoas sempre felizes e o Maraca sempre lotado. Os turistas sempre estupefatos e os vendedores com o bolso inchado. Assim deveria ser aquela cena, um eterno caminhar. Deveria? Ele pergunta, sem obter resposta e ali continua seu monólogo, sentado.
É fim do dia. Quem dera se fôssemos Pacíficos e não Atlânticos, veríamos o sol se por, e a água salgada calmamente apagaria sua brasa, trazendo de volta apenas aquela bola branca de cinza sem vida. Não, mas aqui, na terra onde o Cristo abre seus braços, o astro se esconde atrás do morro, ou o morro que esconde o astro atrás de si? Pensaria mais sobre o assunto e não perguntaria. Fato é, o morro não mais consegue esconder os seus casebres que escalam sua espinha dorsal e passam a olhar de cima, plongeémente as pessoas que ainda caminham, o Maraca que não esvazia, os turistas ainda estupefatos e os bolsos não tão inchados, em fim, o dia das pessoas que ainda acreditam ou fingem não saber. Banho de mar é realmente bom pra descarregar.
Foi-se enfim o dia, mas ele não se despede, fica ali, sentado.Em sua frente a imensidão do mar, ao seu lado Drummond.
O poeta estático, ele pensante.
O poeta metálico, ele circulante.
O poeta eterno, ele... um dia, em fim.
carlos segundo
cultblog - 14/ 11/ 2008

Friday, September 05, 2008

Cana cai Ana

Algo em torno de dezesseis e quarenta e dois da tarde e o ônibus da empresa Motta cruza o oeste paulista. A poltrona, além da ausência do cinto de segurança, não deixa a perna esticar por completa, provocando uma irritação constante, o melhor então é se desprender e se fixar na paisagem. O sol nessa época do ano desce de forma suave e deixa a planície com um tom amarelado que enche os olhos de admiração e o motorista de cautela. O mp4 já sem carga suficiente te deixa na mão, e para evitar o tédio os pensamentos e as palavras vão sendo organizadas e quase sempre uma poesia ou mesmo uma letra, mesmo que tímida, de uma nova canção ganha espaço.
Fagulhas de lembranças sempre aparecem para confeitar o que se vai aos poucos se construindo. O trajeto se divide, a baldeação fora feita e algumas placas indicavam a aproximação de São José do Rio Preto. Destino, Uberlândia, ponto de partida Narandiba. Sim, Narandiba, esse pequeno cisco geográfico paulista com pouco mais de quatro mil habitantes que deixa até mesmo o programa Word confuso e sem sugestão ortográfica, fica a apenas trinta e seis quilômetros de Presidente Prudente.
A terra onde existem muitas laranjas [tradução tupi guarani] possui suas particularidades e paradoxos. Há nela, um misto de hospitalidade e mal entendidos constantes, oito restaurantes e uma sanduicheria que trás em seu cardápio além do clássico x-tudo a italianíssima pizza à moda da casa, e não se assustem, regrada a um bom azeite Galo. O acesso não é difícil, a estrada um pouco esburacada e sinuosa ganha uma sensação de labirinto, com os paredões dos canaviais que se estendem pelo trajeto e que não é um privilégio local, a terra roxa paulista ultimamente pode até ter assobiado pouco, mas com certeza tem chupado muita cana.
Esse micro-cosmos que puxa o R com certa facilidade, que trás a calma estampada no rosto e que tem praticamente 100% do esgoto tratado, vive um momento próprio, resultado da instalação de duas usinas de álcool nas suas dependências, Cocal e Biofuel Energy.
Não vou repetir aqui incessantemente a nota dó do piano de cauda atendo-me em discussões que se referem ao problema ecológico que está diretamente ligado à implantação das usinas, é evidente que acredito nas suas conseqüências futuras. Gostaria na verdade, dentro de meu imediatismo contemporâneo, compartilhar um problema muito mais real e palpável que aflige principalmente as donzelas narandibenses.
Associada a produção da cana, houve uma explosão demográfica de homens, italifico o gênero, na cidade que vieram dos quatro cantos do país atrás de trabalho e dignidade. Não os culpo por isso, mas o fato é que não há mulher suficiente para tanto homem assim, o que vem causando preocupações e ataques desesperados constantes. Hormônios em alta, o caos sexual está posto, e a cana que tanto tira o sono de biólogos e economistas, passa a preocupar mais ainda, pais, padres, parteiras e claro, as moças da vida. E olha, nem mesmo chegamos na entressafra.
carlos segundo

Saturday, August 16, 2008

vou passar cerol na mão

Em meio a um azul sul-americano de cegar, o corpo de cor vermelha serpenteava solitariamente e seu tórax mantinha-se cada vez mais erguido conforme a força do vento lhe impulsionava pra cima. Foi ganhando altura e, imponente, causava inveja nas concorrentes que aos poucos começavam a se aproximar. Em uma ponta o losango, na outra a mão que descrevia um balé e lhe dava mais autoridade no vôo. As crianças, duas, olhavam admiradas o zig-zag do papagaio. O pai, de gravata e calça de linho, o herói. Uma tinha apenas dois aninhos, enrolava os pés em meio a frauda e por isso caminhava com dificuldade; a outra tinha cinco anos, mas mesmo assim estampava no rosto um sorriso que fez meus olhos se encherem.Era algo em torno das doze horas e o sol a pino fazia com que as primeiras gotas brotassem na bochecha. O pai, executivo, dava sua esmola de atenção, e ele sabia disso. Há quanto não brincava com as “escrotinha” (era assim que as apelidava), mal notara o quanto elas cresceram. Mas hoje não, ele por algum mísero momento voltava a ser pequeno, corria e se alimentava daquele instante. Pulou muito de felicidade ao ver a pipa ganhar os ares, e depois abraçou e içou-as, como o campeão que ergue a taça do triunfo.
Em meio a todo aquele brotar de euforia, seu telefone tocou, entregou o brinquedo para a mais velha, não havia perigo, bastava manter-se quieta, e rapidamente vi sua face modelar-se como de costume. Franziu a testa, gesticulou, esbravejou e nem notou que a filha puxava-lhe a calça em meio ao pranto que subitamente jorrou.Um, dois, cinco puxões e finalmente a atenção foi retribuída. Ele disse algo como “ligo daqui a pouco” e desligou. Olhou para a mão da filha e suspirou. O barbante não mais tencionara como antes, pelo contrário, ficou grande parte deitado sobre a grama. Voltou-se para o céu e viu seu pássaro, sua nave, sua alegria, planar em direção à rua oposta onde cinco ou seis moleques, já aos socos e pontapés, disputavam o melhor espaço para agarrá-la. Tentou consolar a filha, a mais velha, por que a menor tinha certeza que tudo fazia parte do roteiro. Melhor ir embora, pensou.
Os três se perderam em meio à rua, de volta pra casa. A filha mais nova, com a mesma despreocupação de antes; a mais velha ainda soluçava ao que talvez fosse sua primeira derrota, e ele apenas maquinava, certo de que de alguma forma poderia usar aquela simples e comum experiência em futuras palestras sobre como ganhar mais mercado e derrubar o seu adversário; algo em torno do uso do cerol e da noção exata do momento de “desbicar”.
Eis o poder das pipas
texto da coluna "labirinto retilinio" cult blog

Monday, August 04, 2008

ultimo capítulo

Suas passadas eram firmes e largas. Seu corpo se desvencilhava dos obstáculos com uma agilidade digna de um dançarino contemporâneo. O centro nesse dia não se continha de tantas pessoas, pacotes, sacolas, comida e calor. Crianças puxando seus bichos comiam algodão doce, outras choravam em busca do presente ideal. Mas nada que desviasse a sua atenção, precisava ser ágil, e o balé se mantinha. Trazia em suas mãos uma caixa, era um ladrão, não havia dúvida, pelo menos é o que se percebia nos olhares das pessoas que se assustavam com sua tamanha destreza. Ninguém gritou.
Cruzou duas avenidas e jogou o corpo para uma viela que daria em uma via secundária. Saltou uma mureta e com um golpe alcançou o outro lado da calçada, parou.
- Ei!!!
Falou para um entregador de compras que parado aguardava o pagamento do carreto. O mesmo tentou exitar. Tarde demais. Amarrou a caixa na cargueira e partiu rumo à periferia.
Suas pedaladas não ficavam tímidas às passadas, ao contrário, eram tão ou mais resistentes e então ele alçou vôo. Pela retina as imagens se perdiam e como que hipnotizado seguia. Tinha uma promessa a cumprir, talvez por isso que quando se aproximava de casa, em meio ao alvoroçar de seus cabelos, o sorriso aos poucos se construía em seu rosto.
A bicicleta ficou na calçada mesmo, toda quebrada e cheia de lama. Entrou correndo, empurrou o portãozinho e em seguida a porta principal. Colocou a caixa no chão e como um animal enfurecido a mão destruía o papelão, bem como o isopor. Em sua mente uma música, olho azul de Abujamra, enchia seu peito de energia. Retirou o aparelho, 14 polegadas, pequeno, mas suficiente. Entrou quarto adentro, colocou-a sobre a caixa de feira que serviu como rack. A antena foi improvisada com palha de aço. A energia, um gato, fora feito com a ajuda de um vizinho que trabalhava na Cemig há mais de 32 anos. Deitou no projeto de cama e com uma das mãos tentou acionar o controle, não funcionou, controles não vêm com pilhas, pensou. Levantou novamente e ligou manualmente mesmo. Voltou novamente para cama.
A imagem, mesmo um pouco chiada e em desfoque, foi suficiente para despertar a lágrima dos olhos, não dos seus, mas de sua mãe que ao seu lado, inválida e prestes a abandoná-lo, aguardava ansiosamente o presente que o filho prometera. Pouco tempo de vida lhe restava e era tudo o que sempre quis, poder assistir tv deitada, como as madames que as novelas a vida toda lhe venderam.
Assim ficaram durante alguns minutos, não muitos, abraçados, ela para a tv, ele pra ela. Aos poucos os olhos fracos foram fechando e a respiração se perdendo. Ao mesmo tempo o chiado da tv se confundia com o som das sirenes que se aproximavam. Os dois sorriam, se abraçavam felizes e cúmplices ficariam até o ultimo segundo.

texto postado no cult blog 24/ 07/ 08