Monday, August 04, 2008

ultimo capítulo

Suas passadas eram firmes e largas. Seu corpo se desvencilhava dos obstáculos com uma agilidade digna de um dançarino contemporâneo. O centro nesse dia não se continha de tantas pessoas, pacotes, sacolas, comida e calor. Crianças puxando seus bichos comiam algodão doce, outras choravam em busca do presente ideal. Mas nada que desviasse a sua atenção, precisava ser ágil, e o balé se mantinha. Trazia em suas mãos uma caixa, era um ladrão, não havia dúvida, pelo menos é o que se percebia nos olhares das pessoas que se assustavam com sua tamanha destreza. Ninguém gritou.
Cruzou duas avenidas e jogou o corpo para uma viela que daria em uma via secundária. Saltou uma mureta e com um golpe alcançou o outro lado da calçada, parou.
- Ei!!!
Falou para um entregador de compras que parado aguardava o pagamento do carreto. O mesmo tentou exitar. Tarde demais. Amarrou a caixa na cargueira e partiu rumo à periferia.
Suas pedaladas não ficavam tímidas às passadas, ao contrário, eram tão ou mais resistentes e então ele alçou vôo. Pela retina as imagens se perdiam e como que hipnotizado seguia. Tinha uma promessa a cumprir, talvez por isso que quando se aproximava de casa, em meio ao alvoroçar de seus cabelos, o sorriso aos poucos se construía em seu rosto.
A bicicleta ficou na calçada mesmo, toda quebrada e cheia de lama. Entrou correndo, empurrou o portãozinho e em seguida a porta principal. Colocou a caixa no chão e como um animal enfurecido a mão destruía o papelão, bem como o isopor. Em sua mente uma música, olho azul de Abujamra, enchia seu peito de energia. Retirou o aparelho, 14 polegadas, pequeno, mas suficiente. Entrou quarto adentro, colocou-a sobre a caixa de feira que serviu como rack. A antena foi improvisada com palha de aço. A energia, um gato, fora feito com a ajuda de um vizinho que trabalhava na Cemig há mais de 32 anos. Deitou no projeto de cama e com uma das mãos tentou acionar o controle, não funcionou, controles não vêm com pilhas, pensou. Levantou novamente e ligou manualmente mesmo. Voltou novamente para cama.
A imagem, mesmo um pouco chiada e em desfoque, foi suficiente para despertar a lágrima dos olhos, não dos seus, mas de sua mãe que ao seu lado, inválida e prestes a abandoná-lo, aguardava ansiosamente o presente que o filho prometera. Pouco tempo de vida lhe restava e era tudo o que sempre quis, poder assistir tv deitada, como as madames que as novelas a vida toda lhe venderam.
Assim ficaram durante alguns minutos, não muitos, abraçados, ela para a tv, ele pra ela. Aos poucos os olhos fracos foram fechando e a respiração se perdendo. Ao mesmo tempo o chiado da tv se confundia com o som das sirenes que se aproximavam. Os dois sorriam, se abraçavam felizes e cúmplices ficariam até o ultimo segundo.

texto postado no cult blog 24/ 07/ 08

1 comment:

Nass Ju said...

great!