Essas coisas sempre acontecem comigo. De repente o telefone toca e pronto, tudo muda. Então atendo, do outro lado uma voz chorosa balbucia algo que não entendo bem. Curioso, sem compreender muito o que se passa, aguardo ainda alguma comunicação mesmo que codificada. Em meios aos soluços e snifs, uma frase vem à tona - A culpa é sua. O que? Isso mesmo, a culpa é toda sua – e o choro volta a agredir meus ouvidos. A culpa é minha? Como assim? [Penso]. Quem está falando?
A verdade é que não estava vendo sentido em quase nada do que ouvia, primeiro por não ter a menor noção de quem estava na linha, segundo, não há quem consiga se concentrar e atender o telefone em meio a uma sessão de desencapetamento na 36° igreja dos centuriões alados do senhor, a segunda maior da cidade, com mais de três mil seguidores e um equipamento de som de ultima geração que faria inveja a qualquer WoodStock e principalmente com um pastor que rodeado de seus discípulos a meio metro de ti grita, esbraveja e lhe empurra para todas as direções.
Mas isso foi tudo coisa da Rosinha, sim, a linda Rosinha. Não sou e nem me predisponho a ser fiel a ponto de passar por tamanha ridícula situação, mas por Rosinha sim. Trabalho como encanador, acho que não havia falado sobre, sou o que hoje se intitula “free-lance”, trabalho por conta, e, portanto quase sempre me enfio em confusão, não sei se uma tem a ver com a outra, mas o fato é que poucos imaginam os apertos que já passei em minha vida por conta de minhas visitas, as mulheres são muito perigosas, acredite. Bom, conheci Rosinha na casa de seus patrões e meus clientes, eu avisei que os canos estavam velhos, que fazer barba na pia de 1976 daria problema, eu avisei. Nunca contei a ninguém da casa que uma vez encontrei um vibrador preso no cano de descarga da filha mais nova, Rafaela, dezoito aninhos, confesso que passei a observá-la com outros olhos a partir desse dia. Mas Rosinha, que não tinha nada a ver com isso, não, ela não, seus encanamentos eram perfeitos, que curvas, tudo no seu devido lugar, vinte e três anos, faxineira, moradora da periferia, sonhadora, linda, um fogo à altura de minha caixa d’água e apenas um defeito, muito devota, tanto que para cada sessão de encapetamento nossa, deveríamos nos repurificar com uma breve mas cansativa visita a casa do senhor, e por isso me encontrava ali naquele maldito lugar na hora que o telefone vibrou.
Pedi licença ao projeto de Edir Macedo, retirei sua mão de meu ombro e me afastei um pouco do barulho – Como você disse? A culpa é sua – a voz agora já se encontrava mais firme – Maria, é você? E ainda troca meu nome, seu cretino. E então desligou.
Maria é a sobrinha de um amigo meu, mas essa é outra história. Na certa era apenas engano, fato comum nos dias de hoje. De longe, fiquei apenas a observar Rosinha, permanecia linda em meio aos encapetados que buscam a purificação defronte ao altar,e me pergunto, será que o espírito maligno que sai de nosso corpo caminha através das mãos para o corpo do pastor? Creio que sim, ele não parava de olhar em direção aos volumosos seios de Rosinha.
Texto publicado na Coluna "Labirinto Retilinio" - Cultblog
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