Revoltado da forma como o tempo e o espaço estavam sendo controlados, ele resolvera cruzar as barreiras do inimaginável para chegar a Babilu e falar com o tal poderoso ser do local. Não, ele nunca fora a igreja, detestava religião e por isso tão pouco sentia prazer pelos princípios panteístas, mas se sentia enganado e ao mesmo tempo desesperado, não se agüentava tamanha sua indignação. Por esse motivo, e não fora o único, que decidira abandonar sua total incredulidade de um grau cético incomparável e se deslocar da Terra aos Céus para ter uma conversa séria com Deus.
E como disse, o fez. Cruzou a barreira com tamanha imponência que quando menos notara, lá estava ele, além dos portões, dentro dos Jardins da Babilônia e mais decidido que nunca a encontrar o conhecido Satanás às avessas. Alguns guardas que protegiam a região – e não me perguntem o porquê de guardas em um local titulado de paraíso – se assustaram com sua presença e foram de encontro ao nosso personagem principal na intenção de lhe barrar, mas seu olhar fixo e certeiro como uma flecha não deixava duvidas de suas aspirações e desejos, fazendo com que os mesmos retraíssem, deixando livre a passagem pelo corredor celestial. Tenho certeza que alguns mais crédulos nesse momento discordarão da força de nosso amigo tupiniquim e acreditarão friamente que foi o próprio Deus que sabendo de suas pretensões, ordenou a legião que o deixasse passar. Não expressarei minha doxa nesse momento, uma vez que ainda há muita história por vir, portanto me reservo, acreditando no livre arbítrio e na capacidade interpretativa de meus leitores.
Chegando ali, à porta principal que se mantinha aberta, ganhou o salão central, este com pilastras enormes, não banhadas a ouro como descritas em vários manuscritos, mas feita em madeira e esculpida por alguém até então conhecido de nós, no piso, nada de mármore ou pedras preciosas, chão batido, o teto também não reluzia vidraças angelicais. De certa forma tal constatação lhe trouxe particularmente o gozo. Decidiu não mais se prender a detalhes, precisava encontrar quem tanto procurava. Perguntou a uma senhora que se sentava à direita da entrada cujo nome Maria. Ela, calada, ergueu o rosto e olhou-o com tal desprezo que o mesmo preferiu não esperar uma possível resposta. Atravessou rapidamente mais dois cômodos chegando a um grande átrio. Ao centro uma figura que lhe pareceu familiar, e o era, tratava-se da famosa Esfinge derrotada no livro de Sófocles. Preferiu então não se arriscar e apenas desviou o olhar para um outro saguão que se construíra a sua esquerda – não havia tempo para enigmas ou coisas do gênero. Já no saguão avistou um homem e foi direto.
- Preciso falar com Deus
- Todos nós precisamos – disse ele, calmo e de forma irônica.
- Não, é sério, gostaria muito de vê-lo.
- Todos nós gostaríamos.
- Olha, não estou com paciência e tempo, isso é muito importante para mim...
- Paciência, tempo, são palavras não muito usuais por aqui. Aliás, quando foi a ultima vez que as ouvi mesmo... Não me recordo no momento.
- Penso que você não pode me ajudar – disse isso e tentou sair novamente, mas foi seguro pelo mesmo homem.
- De onde vens que não sabes onde o mestre se encontra?
- Venho da Terra.
- Da Terra... hummm... Agora entendo tamanha necessidade de falar com ele. Aquilo lá é um inferno – rapidamente o homem olhou para cima, algo que chamou sua atenção – Desculpa senhor...
- Porque olhou para cima?
- Ora, porque achas?
- Não sei, por isso pergunto.
- Porque é justamente lá onde ele se encontra nesse momento.
- Como assim?
- Como assim, como assim... Como assim o que? Nunca lhe ensinaram que ele sempre está acima de nós.
- Mas eu pensei...
- Pensou errado meu rapaz, aliás, todos nós pensamos antes de entrar aqui. Mas não se preocupe, você um dia vai entender... ou não... – sorrindo, novamente de forma irônica.
- E como chego até ele?
- Não há como chegar até ele.
- E como vou falar com ele?
- Você não vai... Ninguém fala com ele... Será que não lhe parece claro?
Ficou calado por um momento. O homem então lhe segurou os ombros usando ambas as mãos e concluiu.
- Volte para o lugar de onde veio e tente aceitar ou esqueça que esteve aqui.
Confuso, mas ciente de que aquilo era o melhor fazer naquele momento, olhou para cima, novamente para o homem e suspirou.
- Obrigado.
- Por nada.
Começou a caminhar em direção a saída ao mesmo tempo em que ouviu o homem com a voz triste lhe dizer.
- Não fique magoado amigo tudo vai se esclarecer, e mais, agora você tem o privilégio, a possibilidade da escolha, coisa que nenhum de nós aqui teve.
Nesse momento, pela primeira e última vez, parou, olhou ao redor e de repente aquilo que a priori não havia lhe incomodado, agora, de forma clara lhe era notório. Todos, de forma geral, sem nenhuma exceção, se mostravam tristes, cabisbaixos e sem vida como ele, notou também que não havia pássaros voando e flores sobre as planícies, e que o céu acima do céu não era azul, e então voltou-se novamente ao homem.
- Estou realmente no lugar certo?
- Sim, pena que em uma hora imprópria.
Ele se virou novamente e antes de partir:
- Só mais uma coisa, posso saber seu nome?
- Claro... me chamam Dante.
* * *
Porque não temos o poder de eternizar o momento? Porque não podemos simplesmente encadernar o momento e coloca-lo em uma estante, para que assim, sempre que quiséssemos sentir aquele prazer novamente bastava-nos sentar em uma poltrona e re-desfrutar do mesmo com uma singela leitura? Melhor, porque não o colocamos em uma linda moldura, tomamos posse de um, dois preguinhos, o martelo e dependuramos esse mesmo momento no corredor da casa ou na sala de troféus? Sim, pois momentos que merecem ser eternizados devem ser tratados como grandes conquistas, como verdadeiros troféus.
É bem verdade que muitas são as tentativas de eternizar o momento; bibelôs, lembrançinhas – tenho um amigo que gastou mais dinheiro com lembranças que trouxe de sua última viagem para Búzios do que na própria viagem. Diz ele que assim eternizaria o momento – verdadeiramente não acredito. Outra forma de tentar eternizar um momento, e essa realmente considero uma das piores, é a fotografia. Não gosto desses tipos de fotografias e explico o por que. Pelo simples fato de que as mesmas não eternizam o momento, no máximo são saudosistas, lhe dão a certeza de que um dia, em um pequeno momento da sua vida, em algum lugar, você foi miseravelmente feliz. Não gosto dessas fotografias. Não quero ser miseravelmente feliz, quero a eternidade de um momento no todo e não em um momentâneo sorriso estampado em um papel que ainda por cima passará na mão de muitos que não darão a mínima para ele. Não gosto de fotografias que tentam representar o momento. Reflita comigo, em um filme de exatamente uma hora – película – temos exatamente sessenta minutos, cada minuto possui exatamente sessenta segundos, cada segundo, exatamente vinte quatro fremes. Fremes são como fotos. Fotos são imagens estáticas e tendo como referência o todo, sem vida. Os fremes, ou as imagens, apenas ganham vida se estão colocados em ordem e projetados um após o outro gerando assim a sensação de movimento. Fotos aumentam a saudade, e nem sempre sentir saudades é bom.
Então porque não podemos eternizar o momento? Essa era a única pergunta que nosso herói gostaria de fazer a Deus. Ele queria, assim como eu e talvez você, sentir novamente o prazer do momento entrando pelas suas entranhas preenchendo cada espaço oco e não apenas lembrar que o mesmo existiu e que não tornará a voltar. Pois, corajosamente, assumo o lugar de Deus nesse momento e respondo. Não o conseguimos por sermos seres insatisfeitos, por sempre querermos mais e mais. Estúpida e Inconscientemente acreditamos que, eternizado esse ou aquele momento, não teremos a chance de viver “outro melhor”. Nossa fraqueza e nosso medo são nossos maiores inimigos. Enquanto isso, nos arriscamos aqui e ali em busca de uma felicidade que sempre esteve, está e estará um pouco abaixo de nossos narizes, dentro de um organismo que pulsa desesperadamente.
Apenas completando meu raciocínio, para que então exista um filme, ou melhor, um eterno momento de uma hora, projetado diretamente em nossa mente, precisaremos de no mínimo oitenta e seis mil e quatrocentos fremes, ou melhor, fotografias.
Viva a Kodak.
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