Thursday, April 24, 2008

The end

A luz acendeu e apagou por duas vezes. Ela contou os andares, treze, recontou as janelas, quarta, sim, era o sinal. Pela porta principal entrou correndo, o abraçou e com os olhos brilhando a esmeralda sorriu. A mão percorreu seu corpo e ele ainda calado suspirou. A face tremia, transmitindo uma emoção impar. Se olharam por alguns segundos, o tempo se tornou infinitamente perdido e como todo final feliz, um beijo contemplou a cena e provocou um derretimento completo em todos que sentados nas clássicas e enfileiradas poltronas vermelhas assistiam a tela, que gigante tomava a parede quase que por completa. Principalmente em Margareth que sentava sozinha em meio aos pouco mais de vinte expectadores do cinema da rua Abraão Coimbra.
Margô, como era chamada, linda, vinte e seis anos, jurou não mais amar na vida, prometeu que depois da última não mais conseguiria se entregar. Tola, pensou. Saiu correndo aos prantos chamando a atenção dos que ainda recobravam as energias e se levantavam estarrecidos. Sem olhar para os lados seguiu.
Entrou em casa evitando ser percebida, inútil.
- Que houve Margô?
- Nada não.
- Como assim, nada não? - Retrucou o segundo, limpando sua automática.
- Nada não.
- Margô, não vem que eu te conheço.
- Tava no cinema, foi isso.
- Sério? E porque não me chamou?
- Precisava ficar sozinha.
- E como foi a atuação do galã ae? – o primeiro de forma esnobe.
- Puts, porque você acha que eu estou assim? Nunca vi na vida algo de tão profunda emoção, claro, depois de Dostoievski. Alguma novidade na tv? – perguntou ela.
- Ainda no mesmo marasmo, acho que vamos ter que ser mais enérgicos. Vamos mandar um pedaço da orelha...
- Da língua – completou o segundo de forma irônica.
- Cala a boca, não fala besteira, a coisa ta só começando. E como ta o objeto?
- No quarto do jeito que você deixou.
Margô caminhou pelo corredor que dava até uma porta mal iluminada. Abriu, no chão ao lado de um prato vazio com uma fita prendendo a boca, com os pés e as mão amarradas estava ele, murmurando. Ela se abaixou, olhou-o bem nos olhos, com uma das mãos segurou suas bochechas.
- Você é um filho da puta mesmo hein!.. Como consegue? [ele murmurou novamente] Nunca havia chorado tanto na minha vida como hoje assistindo a porra daquele filme seu. Que atuação hein!... [levantou] Sabe... Estou decidida a pedir mais por você, depois daquela cena seu passe deve estar valendo mais... Ah ta em... Pode ter certeza.
Ele murmurou algo e ela retirou a fita.
- O que você disse?
- O cinema, ele tava cheio?
- Não muito, perto de umas trinta pessoas.
- Que bosta, é sempre assim. Quando que as pessoas vão começar a acreditar na merda do nosso cinema nacional? hein!, me diz?
- Sei lá... mas aposto que da para arriscar uma estatueta lá de Gramado.
- Gramado... grande merda.
Ela pôs a fita de volta e saiu do quarto. Ele virou para o lado e uma lágrima molhou o taco.
texto publicado - cultblog - 22 de abril

1 comment:

Nass Ju said...

tenso, hein benhê? curti. boa narrativa.
ganhaste uma leitora. bj