Wednesday, July 02, 2008

a fraternidade é amarela

O lugar estava cercado e ele observava tudo pela fresta da cortina que abriu com os dedos. Estava realmente confuso. Caminhava em várias direções pela sala enquanto ao fundo policiais esbravejavam tentando pressiona-lo a se entregar. Sua mente se perdia na situação e ele não mais se dava conta que no centro da sala Jean Luck resmungava sentado e amarrado em uma cadeira, amordaçado com um lençol em tom baixo. Do lado de fora sua esposa olhava cabisbaixa pelo vidro do banco de trás do camburão.
Jean Luck, ah sim, ele era um francês que estava a passeio por aquelas bandas. Ficara amigo do casal dias antes em uma festa havaiana na praia do Bolinho. Nessas festas em que todo mundo se torna amigo. Chamava a atenção pela forma estranha que dançava, diferente de tudo que já havia passado por aquele quiosque. O fato de o casal ser o único que lhe aparecera facilitou o processo. Também, claro, pelo conhecimento da língua do biquinho, eles passaram um período pequeno em terras napoleônicas.
No dia seguinte lá estava ele na casa de nossos conterrâneos para bebericar e petiscar ao som suave de “Baton na cueca”. Como não entendia nada, adorava o ritmo. Talvez por que combinava com sua dança. Beberam e dançaram muito. Não, o erro do nosso parisiense não foi ter conhecido e festejado com nossos brasucas. Seu erro sim foi ter conferido o bilhete da mega-sena acumulada que ele comprou para ajudar um “ceguinho” que lhe oferecera na manhã anterior.
Claro que foi um ato de nacionalidade extrema, nenhum tupiniquim aceitaria que um francesinho qualquer saísse daqui com uma quantia tão alta para gastar em praias espanholas ou em carros alemães. De súbito, sem pestanejar, os dois saltaram sobre o turista que teve tempo de dizer uma só palavra; fudeu!!!
No dia seguinte, cedo, a esposa caminhou até o banco. Trêmula, encantoou o gerente e lhe disse em voz baixa que havia tirado o prêmio máximo. Ele rapidamente levou-a para uma sala privada. Tudo parecia correr bem, ela já conseguia ver as notas que brilhavam em sua mão. “Compramos um iate, afogamos o branquelo em alto mar e pronto. Talvez ganhemos até uma medalha inglesa por tal bravia atitude.” – lembrou das palavras do marido.
-Onde foi mesmo que a senhora comprou o bilhete?
-Como assim.
-Como assim o que?
-Onde comprei? E isso importa?
-Olha se importa eu não sei, mas são normas que devemos cumprir. Até para saber a propriedade real do ganhador. Algum problema?
-É... sim. Quer dizer, não. Não sei...
-Não sabe onde comprou o bilhete?
-Sei, quer dizer, não sei se sei...

Fora o bastante. É claro que o gerente estava blefando, mas em menos de meia hora a frota foi chamada e o quarteirão fechado. Jornalistas brotavam como moto-táxi em dia de greve de transporte urbano. Curiosos rodeavam e as notas iam se esfarinhando no pensamento da dama.
Quatro horas de negociação e ele saiu pela porta da frente. Rápidamente os soldados passaram por ele e entraram correndo dentro da casa trazendo algemado o francês que tentava inutilmente dizer algo.
-Cala a boca seu boca murcha.02 trás nossa bengala que eu vou ensinar a esse aqui como que é nosso pão francês.
O marido ainda sem entender abraçou-a.
-Finge que está chorando.
-O que?
-Anda logo idiota.
Os dois choraram compulsivamente, como duas criancinhas. O comandante aproximou.
-Vocês estão precisando de alguma coisa?
-Não, apenas descansar.
O marido não entendia bulhufas. A mulher enxugava as lágrimas.
-Se precisarem de algo me avisem, esse é o meu cartão.
-Obrigado.
Entraram por adentro.
Há poucos dias chegaram de viagem. Na bagagem, compras, compras e mais compras, além é claro, fotos, algumas com a presença do nosso compatriota “ceguinho”.
Quando questionada sobre o acontecido, ela apenas diz:
-Não precisávamos de tanto dinheiro, 60% estava de bom tamanho.
Cé la Brazil.
texto escrito para Cultblog

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